Quem é de Salvador e não tem uma história pra contar tipicamente baiana, daquelas que a gente conta guardando um orgulhozinho de fazer parte desta cidade louca, não é realmente de Salvador. Mesmo que a história seja muito bizarra e reprovável. Eu tenho duas pra contar hoje. Aqui no blog já registrei um fato que ocorreu comigo, algumas amigas e a garçonete Vaninha Atenciosa (que de atenciosa não tinha lá muita coisa). A história de hoje se assemelha.
Recentemente fui almoçar com meu namorado num restaurante perto de casa. Sempre passávamos pela frente sem nunca entrar, até que um dia deu nas nossas telhas de ir lá conferir. Era sexta-feira, tinha um buffet, churrasco, salada, comida de todo tipo. Fizemos nossos pratos e fomos pesar. Perguntei à atendente a quem eu deveria pedir uma limonada (fazia aquele sol de verão). A cara dela se fechou na hora:
– Eu vou ter que ver lá dentro, porque estamos em horário de almoço e as meninas estão almoçando. Espere aí.
Atrás dela, uma outra funcionária que guardava uns utensílios retrucou:
– É pra fazer suco? Tô fora.
E lá foi a primeira, se arrastando pelo salão na maior preguiça do mundo ver se alguém lá dentro podia fazer a caridade, enquanto a gente olhava um pro outro sem entender como um restaurante que abre para o almoço não serve um suco porque quem deveria fazer está em horário de almoço. O que eles queriam? Que a gente esperasse dar duas da tarde pra pedir um suco? Ou chegasse antes, ou tivesse o bom senso de não atrapalhar o almoço alheio? Enfim, eu tinha esperança de que alguém lá dentro tivesse bom senso.
Pouco depois vem a figura mal humorada e larga:
– Infelizmente não tem suco. As meninas estão almoçando.
Pedimos uma cerveja, que essa já vinha pronta. Se não fosse incomodar muito, é claro,pedir que ela voltasse lá e trouxesse a garrafa. Surreal.
A outra história não aconteceu comigo. Uma amiga relatou. Foram ela, o namorado e uma amiga ao Pelourinho curtir um show. Como o estacionamento regularizado cobrava caro, eles resolveram dar um jeitinho. Pararam num lugar próximo. Próximo de uma placa de “proibido estacionar”. Deu cinco segundos e lá vinha o “boa vida” (como diz outro amigo), já velho, semi bêbado, com aquele papo de “e aí, chefia, tô olhando aqui seu patrimônio, deixe comigo”.
O “deixe comigo” na verdade queria dizer “deixe um dinheiro comigo”.
– Oito reais tá bom.
No estacionamento que cobrava caro, eles pediam 10 reais. Mas era por cada duas horas, algo assim. Eles tinham acabado de chegar, estava cedo pro show, iam tomar alguma coisa e passear um bocado antes de ir embora. Os oito reais do “brother” eram só oito, pela noite toda. A placa? Essa todos ignoravam solenemente.
– Oito tá caro, irmão!
– Então eu vou fazer por sete pra você, que pela sua cara eu tô ligado que você é corrente! Você é “brother”!
E bateram as mãos numa espécie de “toque aqui” bem brau (“brau” é coisa de baiano. Difícil de explicar. É o tipo do cara que não come reggae. Ih, também não sei explicar. Baianês é um idioma intraduzível.)
Fato é que o “boa vida” fechou negócio e ficou animadíssimo.
– Olhe, você é tão dos meus que eu vou lavar seu carro, e ainda vou comprar sabão com “meu” dinheiro, e balançava os sete reais que tinha acabado de ganhar.
“Falou!”, “falou!”
E lá se foram todos, cada um prum canto.
Do lado do carro, do brother e da placa de “proibido estacionar”, os policias que assistiam a tudo dentro da viatura provavelmente pensavam a mesma coisa coisa que eu penso sobre a cena:
Salvador é poesia pura.