Um fenômeno estranho tem acontecido ultimamente: eu ando com vergonha de gostar de comer. Pra ser honesta, com vergonha de comer sem vergonha. Com glúten, lactose, açúcar, farinha branca, sal, manteiga e todas essas maravilhas que existem no meu mundo, e que foram banidas das mesas de quase todo mundo que eu conheço. Essas maravilhas que fazem pães, doces, tortas, guloseimas de todo tipo e que me fazem feliz e satisfeita.
Eu tenho a impressão que antigamente as pessoas eram mais felizes e menos “policiais de si mesmas”. Depois que o glúten deixou de ser pesadelo exclusivo dos celíacos (pessoas que não digerem glúten), e que a lactose também virou assunto tabu nas mesas, eu fiquei meio sem assunto. Virou tudo “lacfree” (porque não basta não ter lactose, tem que ser em inglês), glútenfree, frutose também virou ‘persona non grata’, carne não convém, e eu não sei de que esse povo vive. É só frango, ovo, batata doce. Tenho uma amiga que eu adoro que come cinco ovos todo dia de manhã (“mas só uma gema”), e lancha frango puro desfiado à tarde. Academia sexta, sábado E domingo. Tem um corpo maravilhoso, barriga zero, magra e linda. Mas não é caro esse preço?
Sei lá, eu decidi que vou ser assim como eu sou. Tenho a sorte de ser magra mesmo comendo consideravelmente. Mas tem um monte de coisa sobrando e faltando aqui e ali em mim. Mas e daí? Quem foi que disse que todo mundo tem que ser desse ou daquele jeito? Por que eu preciso me sacrificar pra me aceitar, pra gostar de mim? Tem tantas coisas em mim que eu adoro. E tantas que eu detesto, e que preciso mudar muito mais urgentemente do que minha barriga. Por que as pessoas deixam de ser barrigudas mas não deixam de ser, sei lá, mentirosas primeiro? Por que deixam de ser flácidas e não deixam de ser chatas? Minha amiga malhadora que faz muita dieta não é mentirosa nem flácida, pelo contrário. Eu diria que ela é um abuso, porque é linda, engraçada, inteligente e adorável. Mas ela podia ser mais feliz e não morrer de inveja dos meus pães matinais.
É claro que uma vida saudável pede alguns sacrifícios. Todo exagero é ruim. Mas a vida já tem suas amarguras. É preciso um chocolate de vez em quando. Um brownie. Um pão quentinho. Um queijo derretido. Uma pizza marguerita. Uma panqueca, um sorvete, uma paçoca. De vez em quando. Não precisa ser todo dia. Todo dia só eu, que já estou a caminho da marginalidade e um caso perdido. Mas realmente defendo que as pessoas sejam juízas menos severas de seus corpos. Felicidade também é saúde.