Archive for Março, 2017

Sobre a covardia que nos salva da loucura

Eu sou covarde. Diante de notícias muito ruins, eu só penso em fugir. Eu não quero mais falar nem ouvir falar. Não quero não. Não quero terceirização, previdência, CLT, temer, maia, financiador de campanha, bandido, ladrão, não quero, chega disso! Ao inferno com suas intenções! Há a hora de gritar e lutar, agora eu quero fingir que vocês não existem, malditos.

Fiquei com vontade, isso sim, de falar da chuva. Tem chovido tão bonito na minha janela. Pra mim, né, que estou de férias, e meu deslocamento mais distante tem sido levar e buscar minha filha na escola e passar no mercado, no caminho, pra comprar uma fruta, um arroz, um açúcar. Na maior parte do tempo estou escutando o estalo da chuva na esquadria da janela. O ruidinho surdo que faz quando o aguaceiro cai na grama da pracinha. Delicioso. Me lembra muito a minha infância. Acordar com a chuva na janela, e especialmente o barulhinho de um cano que tinha no alto do meu prédio, que escorria a água que acumulava na laje. Eu não sabia na época, mas eu adorava aquele barulho, era sinal de que chovia muito, do jeito que eu gosto. Aqui não tem um desse. Sinto falta.

Tem ficado escuro mais cedo. Março, te amo.

Vou ficar aqui, escondida das notícias por hoje. Escondida na terra encharcada, no cheiro hipnotizante da chuva, no barulho dela. No verde que ela trouxe pra praça. Na erva daninha que cresce entre as pedras portuguesas da praça. Concentrada em fechar a janela antes de deitar. Vai chover, que bom.

Isso nunca muda, vai chover sempre. Vai ter barulhinho, vai ter lembrança, vai ter essa paz que a chuva me dá. Deixa o noticiário pra amanhã. Vai chover.

200 milhões de cavalos

O brasileiro precisa amadurecer. Passar dessa adolescência política que divide o país em coxinhas e mortadelas, pelo amor de Deus. Observem lá na frente. Está para ser aprovada a tal Reforma da Previdência, prevendo que cada um de nós tenha que trabalhar durante 49 anos – e contribuir com a Previdência por todo esse período. Não é simplesmente se aposentar só com 65 anos. É com 65 anos no mínimo. Isso se você tiver contribuído com a previdência por 49 anos. Tem que começar a trabalhar com 16, com carteira assinada, e continuar até 65. Sem ficar desempregado, sem deixar de contribuir nem um único mês. Se ficar desempregado, vai somando o tempo sem trabalho aos 65, e sua aposentadoria vai indo pra frente. 67, 70, 75. Aposentar não pra curtir um pouco a vida, não para viajar, fazer um curso. Aposentar pra pagar plano de saúde, absurdamente caro. Num país onde o desemprego é uma realidade. Onde uma pessoa acima de 45 anos é considerada velha pra assumir qualquer vaga de emprego. Onde em muitos lugares a expectativa de vida é menor do que 65 anos. E tem mais. Um país onde a mulher ainda assume quase que totalmente os cuidados com a casa, por ser um país machista e mal criado, quer igualar a idade mínima e tempo de contribuição para homens e mulheres.

Enquanto isso, quem vai aprovar a reforma não está incluído nas mesmas regras que nós. 

Enquanto isso, Temer está aposentado desde os 55 anos. Recebendo 30 mil por mês. 

Aliás, enquanto isso, a gente come carne estragada.

Enquanto isso, pra provar que a carne brasileira é boa, Temer leva embaixadores a churrascaria que só vende carne importada. A um custo de quase 14 mil reais num jantar, pago pela Presidência. Rodízios. Bebida. Sobremesa. Cafezinho.

Enquanto isso, grandes importadores de carne brasileira suspendem a compra da nossa carne. 

Enquanto isso, a economia brasileira vai cada vez mais de mal a pior. 

Enquanto isso a economia cai, o desemprego aumenta.

Enquanto há mais desemprego, o brasileiro vai precisar contribuir com a previdência por 49 anos. Não irá se aposentar.

Parem, apenas parem. Estamos discutindo o sexo de um anjo enquanto um bando de mal intencionados acaba com o nosso país. Eu não admito. Eu não aceito.

Somos mais de 200 milhões. É como a história do cavalo, sendo chicoteado por um menino. Nenhum dos dois percebe a diferença de força que os separa. Se o menino soubesse, não chicoteava o cavalo. Se o cavalo soubesse, não seria jamais chicoteado pelo menino.

Estamos sendo o cavalo. 200 milhões de cavalos.

Pensando em você

É difícil escrever um livro. Agora que eu resolvi sentar pra escrever um, percebi que não vai ser tão simples quanto pensei. Que droga. Achei que em um mês de férias ia conseguir avançar um bocado. Aqui estou eu, sentada na sala de minha casa, numa tarde até fresquinha. Tem feito muito calor, mas hoje está agradável. Eu tenho uma grande responsabilidade que é contar pra minha filha todas as coisas que ela tem me ensinado. Todas as mudanças que o mundo sofreu desde que ela chegou, principalmente no meu mundo. Meu Deus, mudou tudo. Eu vou ter muito trabalho. Mas eu não consegui escrever nada digno dessa tarefa ainda, então vai ficar pra depois.

Mas tem tantas coisas em meu coração que eu gostaria de dizer… Quantas vezes eu chorei. Todas as vezes que eu chorei de medo! Medo do absurdo que é virar mãe. Eu não estava preparada! Acho que ninguém está. Não está. Ninguém sabe como vai ser, até que é. Quando ela chegou, eu achei estranho. Era tão maravilhoso o futuro estando diante dela. Ela me fez sentir protegida. Nada poderia me acontecer de ruim, eu tinha uma menininha pra cuidar. Todas as promessas estavam sendo cumpridas, eu tinha uma menininha. Mas eu enlouqueci no dia seguinte. Eu acordei e não entendi absolutamente nada. Durou algumas horas, mas eu voltei. É tudo verdade. Depois de encarar esse portal pra loucura, eu voltei. E nasci também. Eu nasci de novo naquele dia. E como todo recém nascido, eu não sabia de absolutamente nada ainda. Eu aprendi muita coisa em muito pouco tempo, eu chorei, eu tive medo, eu me encantei pelo mundo novamente. Não é exagero. É a transformação mais devastadora e ao mesmo tempo sutil que pode haver. Você só percebe com o tempo que aquilo que você foi você não é mais. Deus, como é complicado de entender. Eu não poderia jamais conseguir explicar.

Mas é tão maravilhoso. Minha filha me mostrou o mundo de novo. Não era como eu pensava. Eu não enxergava as coisas direito. Eu não entendia muito bem sobre os sentimentos. Agora eles vem crus, com uma força quase rude. Mesmo os bons, chegam tão intensos que a gente precisa respirar fundo pra não engasgar. Ela coloca as coisas em seus lugares em minha cabeça. Ela me dá a mãozinha e olha pra mim com uma confiança tão grande. Ela sabe que eu estou ali por ela. Ela não sabe, mas quando ela deita em meu colo aquele é o melhor colo que eu posso ter. E eu estou em casa, e eu estou de folga, quando estou no colo dela. Vontade de viver pra sempre, para estar com ela.

Te contar tudo isso vai ser difícil, meu bem. Mas mamãe já está se acostumando com as tarefas difíceis. Se não der, eu espero você crescer, e a gente vai conversando. Obrigada por me trazer para o mundo de novo.