Sobre a covardia que nos salva da loucura

Eu sou covarde. Diante de notícias muito ruins, eu só penso em fugir. Eu não quero mais falar nem ouvir falar. Não quero não. Não quero terceirização, previdência, CLT, temer, maia, financiador de campanha, bandido, ladrão, não quero, chega disso! Ao inferno com suas intenções! Há a hora de gritar e lutar, agora eu quero fingir que vocês não existem, malditos.

Fiquei com vontade, isso sim, de falar da chuva. Tem chovido tão bonito na minha janela. Pra mim, né, que estou de férias, e meu deslocamento mais distante tem sido levar e buscar minha filha na escola e passar no mercado, no caminho, pra comprar uma fruta, um arroz, um açúcar. Na maior parte do tempo estou escutando o estalo da chuva na esquadria da janela. O ruidinho surdo que faz quando o aguaceiro cai na grama da pracinha. Delicioso. Me lembra muito a minha infância. Acordar com a chuva na janela, e especialmente o barulhinho de um cano que tinha no alto do meu prédio, que escorria a água que acumulava na laje. Eu não sabia na época, mas eu adorava aquele barulho, era sinal de que chovia muito, do jeito que eu gosto. Aqui não tem um desse. Sinto falta.

Tem ficado escuro mais cedo. Março, te amo.

Vou ficar aqui, escondida das notícias por hoje. Escondida na terra encharcada, no cheiro hipnotizante da chuva, no barulho dela. No verde que ela trouxe pra praça. Na erva daninha que cresce entre as pedras portuguesas da praça. Concentrada em fechar a janela antes de deitar. Vai chover, que bom.

Isso nunca muda, vai chover sempre. Vai ter barulhinho, vai ter lembrança, vai ter essa paz que a chuva me dá. Deixa o noticiário pra amanhã. Vai chover.

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