Archive for 26 de Agosto, 2010

Verde, vermelho e sépia.

Então o “homem de vidro” abre o armário e mostra a Amelie as cópias que faz do quadro “O Almoço dos Barqueiros”, de Renoir.

O Almoço dos Barqueiros

“- Faço um por ano. Há 20 anos. O mais difícil são os olhares. Às vezes tenho a impressão de que mudam de propósito de humor assim que viro as costas.

– Agora parecem felizes da vida…

– E devem! Esse ano comeram coelho com cogumelos. E teve bolinho com geléia para as crianças.”

É tão lindo, é brilhante. É um mundo onde as pessoas no quadro mudam de humor a cada dia, onde as crianças comem bolinho com geléia no almoço. Onde um homem pode dizer isso a uma jovem que mal conhece e ela não o acha um esquizofrênico. E ele não a acha metida demais que não possa ver os seus preciosos quadros. É um mundo verde e vermelho, às vezes meio sépia, esse de Amelie Poulain. Onde fazer valer a vida de pessoas desconhecidas é um fabuloso destino.

Outro dia li no blog de Pedro Neschling um texto lindo, que falava sobre o fim do romantismo. Romantismo não no sentido de relacionamentos amorosos, mas um jeito delicado de encarar a vida. Esse, que sobra em “O Fabuloso Destino de Amelie Poulain”. O texto é maravilhoso, vale a pena ler.

E como Neschling diz em seu texto, eu também não tô achando esse nosso mundo legal. Me incomoda especificamente o modo como as pessoas esqueceram como se faz pra respeitar umas às outras. E não sabem como é interessante e rica a experiência de conhecer alguém. Com todas as suas características próprias, com toda a infinidade de nuances que aquela pessoa carrega consigo. E como às vezes a gente quer que elas sejam algo que a gente moldou pra encaixá-las dentro. É a nossa velha mania de idealizar as pessoas e as coisas.

Escrevi bastante sobre o motivo exato que me levou a escrever tudo isso mas apaguei, porque percebi que pouco importa, porque sempre me pego pensando sobre como as pessoas deixaram de respeitar as outras. Perderam a capacidade de se encantar, e compreender. Exigem. Cobram. Querem. Julgam por tão pouco. Mas o fato é que ninguém pode exigir que você seja deste ou daquele jeito. Ninguém tem o direito de dizer o que você pode falar ou pensar. Ninguém pode cercear uma liberdade que é sua, ninguém tira.

Eu me incomodo demais com isso. Outras pessoas dizem “por que você se irrita? Por que se incomoda? Esquece!” e tá certo, seria o melhor a fazer. Mas me incomoda sim, profundamente, constatar que é assim que as coisas são. E enquanto isso me incomodar vou saber que não passei a ser igual. As pessoas não se respeitam, e, como remédio, a gente não dá a mínima? Não. Meu jeito de protestar é me incomodando. Porque não dá pra ignorar que o mundo tá ficando cada vez mais cinza.

Eu prefiro o mundo verde-vermelho-sépia de Amelie Poulain.